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História

Góis, ou Goes, conforme a grafia antiga, foi reconquistada e conheceu uma primeira doação em 1064 ou em 1093. A 1 de Agosto de 1114, é novamente doada, desta vez por D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, a Analo Vestarisi e a sua mulher Hermezinda que, segundo a tradição, mandaram povoar Góis. Em 1516, D. Manuel outorga o foral para a Vila de Góis, concedendo os privilégios que lhe são relativos à família dos Silveiras, futuros condes de Sortelha. Um dos seus representantes, D. Luís da Silveira, poeta e embaixador de D. João III na corte de Carlos V, continua a ser hoje uma das figuras históricas mais importantes da vila.

A primeira junta da paróquia de Góis foi eleita em 1835, pelos treze maiores contribuintes da mesma. Esse regime só será alterado pelo Código Administrativo de 1878, que manda eleger uma junta de freguesia em vez da junta da paróquia. Assim nasce a Junta de Freguesia de Góis. Do património arquitetónico fazem parte a Igreja Matriz de Arte Gótica, com modificações posteriores do Renascimento; as instalações da Câmara Municipal são na Casa da Quinta, onde se destacam os tetos do século XVII, que representam figuras bíblicas de grande interesse; a ponte manuelina sobre o Rio Ceira, formada por três arcos semicirculares do século XVI, mandada construir por D. Manuel; a Capela do castelo, uma construção manuelina.
O natural ou habitante de Góis denomina-se goiense.

Portugal – História dos Municípios.
3.1. O estudo da história dos municípios iniciou-se em Portugal, como noutros países europeus, na primeira metade do século XIX, servindo-lhe de pano de fundo as transformações introduzidas pelo Liberalismo no âmbito da administração pública, como noutros sectores da vida portuguesa, os vários acontecimentos que marcaram a sua implantação e os sobressaltos vividos no início do novo regime[47].
Não se pode iniciar o estudo da história das instituições municipais sem evocar aquele que foi o seu percursor em Portugal: Alexandre Herculano. Implicado na sublevação do Regimento de Cavalaria 4 de Lisboa, em 21 de Agosto de 1831, Alexandre Herculano conseguiu escapar ileso para a Inglaterra, de onde passou à França. Em Rennes frequentou a biblioteca pública, familiarizando-se com as mais recentes novidades literárias europeias. Estavam em voga os estudos históricos de Thierry, que lhe forneceram a perspectiva histórica da revolução liberal, em que Herculano se comprometera. Augustin Thierry (1795-1856) foi durante muitas décadas uma referência obrigatória para os historiadores franceses e europeus, entre os quais se conta Alexandre Herculano. De entre os seus escritos mereceram a atenção dos contemporâneos especialmente as Lettres sur l'Histoire de France[48], cuja primeira edição é de 1837, e o Essai sur l'histoire de la formation et des progrés du Tiers État[49]. Se as Lettres sur l'Histoire de France tiveram eco nas Cartas sobre a História de Portugal, publicadas na Revista Universal Lisbonense, em 1842[50], o Essai sur l'histoire de la formation et des progrés du Tiers État serviu de modelo a Herculano para a elaboração da parte mais significativa da História de Portugal[51]. A Thierry se deve o interesse pelas chartes municipales, que está nas origens de uma intensa actividade de leitura, publicação e análise de textos que prossegue no nosso tempo e se reflectiu no empenho com que Alexandre Herculano encarou a publicação dos forais, nos Diplomata et Chartae e nas Leges et Consuetudines dos Portugaliae Monumenta Historica. Nas Lettres sur l’Histoire de France, Thierry fez a história do Terceiro Estado, a que se ficou a dever a Revolução Francesa, colocando as suas origens nos municípios romanos, que, sobrevivendo à derrocada do Império, reergueram as muralhas derrubadas pelos invasores bárbaros, se defenderam contra a rapina dos senhores feudais, arrancaram pela insurreição as cartas de foral, deram acolhimento aos servos fugitivos, elegiam os seus magistrados e se educavam na liberdade e no trabalho.

As Lições sobre a História da Civilização na Europa, em que Guizot se ocupou da ascensão do Terceiro Estado[52], exerceram também grande influência na mente de Herculano, especialmente quanto ao papel atribuído às comunas na afirmação da democracia.

Além de Thierry e de Guizot, outros autores guiaram Alexandre Herculano no estudo da história dos municípios. Em nota de rodapé, colocada no início da Parte I do Livro VIII, da História de Portugal, o historiador menciona, entre as obras que lhe serviram de apoio no estudo das instituições municipais romanas, Guizot e Savigny. Roemich Rechts in Mittelalter, de Savigny, é mesmo a obra mais citada ao longo do Livro VII da mencionada História de Portugal.

Regressando a Portugal, integrado no grupo de sete milhares e meio de bravos que desembarcaram no Mindelo (em Pamplido), Herculano trazia na sua bagagem cultural as ideias em que irá amadurecendo o seu projecto de História de Portugal, cuja preparação iniciará em 1843 e apresentará à luz do dia a partir de 1846[53].

A redacção da História de Portugal contribuiu para a clarificação das suas ideias municipalistas, que, já esboçadas em 1851, defenderá expressamente contra as tendências da Regeneração, em 1853, e estarão presentes na sua obra até ao fim da vida. Embora Herculano o não tenha sistematizado, António José Saraiva, reunindo diversas passagens da sua obra, conseguiu definir, de modo esquemático o seu pensamento sobre esta matéria[54].

Os municípios medievais tornaram-se para o nosso historiador o modelo a seguir pelos municípios da sua época: “Representam eles, de um modo verdadeiro e eficaz, a variedade contra a unidade, a irradiação da vida política contra a centralização, a resistência organizada e real da fraqueza contra a força, resistência que a irreflexão ou a hipocrisia dos tempos modernos confiou à solene mentira das garantias individuais, ao isolamento do fraco diante do forte, ao cidadão e não aos cidadãos, ao direito indefeso e não ao direito armado”[55].

A coluna dorsal que orienta o pensamento municipalista de Herculano aproxima-se das mais actuais concepções sobre a subsidiariedade que deve regular as relações entre as várias instâncias do poder: “A administração da localidade pela localidade deve chegar até ao último limite em que não repugna ao direito das outras localidades constituídas uniformemente. A administração central abrange tudo o que fica além desses limites no regímen prático da sociedade”[56]. Num artigo publicado em O Português, expõe a ideia de que o homem vulgar não é capaz de entender a pátria para além dos limites do concelho onde nasceu e onde vive, e de que a grande pátria, que inclui a totalidade do território português, não passa de uma abstracção para a maior parte dos seus habitantes. O cidadão comum, se por um lado não se encontra preparado para enfrentar os problemas políticos e económicos à escala nacional, sente-se apto a pronunciar-se sobre os problemas do seu concelho e a escolher entre os seus conterrâneos aqueles que devem gerir os interesses colectivos. Por outro lado, o poder repartido pelos concelhos, com governantes eleitos e controlados pelas populações, era o melhor antídoto contra a prepotência dos governos centrais, facilmente dominados por oligarquias, interessadas em exercer o poder em benefício dos seus interesses pessoais e de grupo. Sem entrar em tanta minúcia, Herculano aproximou-se destas ideias no início da Parte I do Livro VII da História de Portugal.

Para entender a realidade e a variedade dos municípios medievais, partiu Herculano do pressuposto de que os seus antepassados eram os municípios romanos, que, pela sua força interna, sobreviveram às dificuldades resultantes das invasões bárbaras e da conquista muçulmana. Da maior ou menor semelhança com a estrutura que entendia ser a do município romano, resultavam as diferenças que o levaram a distribuir os antigos municípios portugueses por várias categorias. Não se apercebeu de que ao eleger por modelo o município romano, construído sobre a diferença entre duas classes de munícipes – os decuriões, cidadãos de pleno direito, e os plebeus que constituíam a massa da gente comum

– contrariava a sua doutrina acerca da igualdade democrática de todos os cidadãos, sobre a qual baseava a unidade e a força do município. Tomando este figurino como referência, conforme neles se encontram total ou parcialmente as magistraturas equivalentes às do município romano, Herculano distribuiu em três categorias os concelhos medievais portugueses, repartindo-os em vários subgrupos. Os três principais grupos são:
– os concelhos perfeitos ou completos;
– os concelhos imperfeitos, e
– os concelhos rudimentares.
Os concelhos perfeitos ou completos seriam os que mais se aproximavam do estereótipo romano: assim como nos municípios romanos a população era constituída por decuriões e privados, também nestes municípios os habitantes se repartiam em cavaleiros vilãos e peões; assim como, nos municípios romanos, a máxima autoridade competia aos duúnviros e quatuórviros, também aqui era exercida pelos alcaldes, alvazis ou juízes, a respeito de cujo número Herculano diz que geralmente são dois mas que não faltam exemplos de serem quatro ou mais.

Em contraste, na maioria dos concelhos que designou como imperfeitos, Herculano encontrou uma sociedade igualitária, cujos membros eram exclusivamente peões ou tributários, nas três primeiras fórmulas, ou burgueses, na quarta fórmula, apresentando como uma excepção a quinta fórmula, onde a existência simultânea de peões e cavaleiros vilãos contrastava com “o incompleto das magistraturas e, de ordinário, o menor número de garantias e privilégios que se lhes concedem”[57].

As contradições da teoria e da práxis do liberalismo contaminaram deste modo a própria concepção histórica de Herculano. É que, não obstante a Constituição de 1822 estabelecer que “Todos os portugueses podem ser admitidos aos cargos públicos, sem outra distinção que não seja a dos seus talentos e das suas virtudes” (art.º 12.º), o artigo 34.º, ponto II, exclui da possibilidade de serem eleitos “Os que não têm para se sustentar renda suficiente, procedida de bens de raiz, comércio, indústria ou emprego”. E a Carta Constitucional de 1826 excluía da capacidade de votar desde as Assembleias Paroquiais, além de outros, “Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil reis, por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos” (art.º 65.º, § 5), e de ser eleitos para deputados “os que não tiverem quatrocentos mil reis de renda líquida” (art.º 68.º, § 1).

O historiador debatia-se entre uma concepção que descobria no voto do povo o meio mais eficaz para combater as oligarquias e uma perspectiva romântica que, buscando os seus modelos nos tempos considerados áureos da civilização romana, acabava por triunfar na sua mente, não obstante o paralelismo que se lhe podia descobrir com os desequilíbrios sociais e políticos do momento.
3.2. Embora a doutrina que defendia a origem romana do municipalismo português fosse contestada, já em 1868, por Teófilo Braga[58], naturalmente sob a influência de Muñoz y Romero[59], Henrique da Gama Barros[60], na História da Administração Pública em Portugal[61], seguiu de perto Alexandre Herculano, ainda que sem ir tão longe no papel atribuído ao município romano como antepassado e paradigma do município medieval. Nunca utilizou a terminologia do mestre, que classificava os municípios de mais ou menos perfeitos conforme se avizinhassem mais ou menos da organização do município clássico. A única divisão que expressamente acolheu foi a dos três grandes tipos que seguem os modelos ditos de Salamanca, Ávila e Santarém[62].

Gama Barros reconheceu o importante papel da tradição romana, pois “o regímen municipal, mais ou menos profundamente caracterizado, atravessando o período visigótico e arábico, atesta esse influxo de um modo indubitável, mostrando ao mesmo tempo o largo quinhão que lhe deve ter cabido na formação do direito local”[63]. Mas a herança romana não teve um carácter exclusivo, devendo, em seu entender, considerar-se uma série de contributos de várias origens:
1 – usos e hábitos, cuja origem se perde na escuridão dos tempos;
2 – a tradição romana, mantida na legislação visigótica e no governo municipal;
3 – os antigos costumes germânicos, que os legisladores não tinham sancionado na legislação geral, mas que se conservaram, resistindo com tenacidade ao influxo da tradição romana;
4 – a influência da Igreja, designadamente do Direito Canónico;
5 – finalmente, os costumes dos moçárabes e a acção constante do tempo.
Gama Barros admitia, no entanto, que “precisar com exactidão os costumes que remontam a cada uma dessas origens é intuito que supomos irrealizável, modificados e confundidos como eles foram necessariamente por um sem número de causas diversas, que nos ocultam a sua proveniência primitiva”[64].
3.3. Alberto Sampaio conta-se também no número dos historiadores portugueses que se deixaram influenciar pela teoria de Alexandre Herculano sobre as origens romanas das nossas instituições municipais[65]. Procurou, no entanto, ir mais além, estabelecendo o nexo entre as vilas romanas e as freguesias, que, em número variável, integram os municípios actuais. Utilizando, para além das fontes escritas, os dados fornecidos pela arqueologia, pela toponímia e por outras ciências, apresentou-se como um verdadeiro percursor da metodologia histórica mais recente.
Para Alberto Sampaio, a base administrativa dos territórios conquistados pelos romanos eram os conventus administrativos, que se sobrepuseram a outras realidades mais antigas, as civitates, constituídas por grupos baseados em afinidades étnicas e com organização autónoma. Quando dispunham de uma fortificação, um oppidum, tinham já adquirido um estádio de desenvolvimento mais avançado. A acção dos romanos orientou-se para a criação de cidades abertas, as urbes, em que se centralizava o governo do território. Introduzindo na região as suas formas de propriedade e os processos de exploração do solo, numa economia que de pastoril se tornava predominantemente agrícola, as melhores terras foram transformadas em grandes villas, tendo à frente um dominus, que dirigia o seu cultivo. Tais villas não foram destruídas pelas invasões bárbaras e muçulmanas, mas, sofrendo diversas transformações, adaptando-se e passando a outras mãos, chegaram ao tempo das presúrias, com os antigos escravos transformados em adscripti e em ingenui

– reguengueiros e herdadores. Estas villas deram origem às freguesias rurais, através da constituição das paróquias[66]. Com efeito, os antigos habitantes das villas mantinham-se

unidos através do laço jurídico que os ligava ao dominus, mas, desfeito esse, “só os podia agremiar de novo quem representasse poder superior, e tal estava reservado ao pároco,

que chamava a todos, sem distinção de classes, seus fregueses”[67]. Esta organização, de base eclesiástica, constituiu apenas o ponto de partida, pois cedo a villa se apresentou

como pequena comuna rural, pois os fregueses, “filhos da igreja”, em virtude da sua união formavam uma molécula social distinta. Tal feição é revelada pela presença de ”um

personagem, cujas competências o tornam ao menos contemporâneo dos primeiros progressos das armas cristãs, ou talvez da força das circunstâncias” que o fizeram aparecer

para responder à desordem ocasionada pelas invasões sarracenas, ”quando os habitantes das vilas se viram sem governo”. Essa personagem é o judex ou juiz. Se os textos levam

a concluir que alguns juízes eram de nomeação régia, na generalidade, diz Alberto Sampaio, “o mais presumível é serem de mera eleição popular”[68]. Os poderes exclusivos do

dominus estavam agora repartidos pelas mãos do abade e do juiz, para as quais transitava o governo espiritual e secular da antiga villa romana[69].
3.4. Na primeira obra que dedicou à história dos municípios, Torquato de Sousa Soares seguiu de perto a teoria de Alexandre Herculano, excluindo, porém, os excessos de

romanismo[70]. Dividiu, inicialmente, os concelhos medievais em três categorias: rurais, urbanos e distritais, mas, em trabalhos posteriores, reviu e simplificou esta classificação[71],

distinguindo apenas dois grandes grupos: os concelhos rurais e os concelhos urbanos.
No grupo dos concelhos rurais reuniu um sem número de localidades, todas situadas a norte do Douro, admitindo a existência de concelhos deste tipo nas Beiras, de que, porém,

não citou exemplos. A população destas localidades era constituída por um reduzido número de povoadores, aos quais, por um contrato enfitêutico, era colectivamente aforada uma

parcela de território. A sua autonomia entrevê-se nas cartas de povoamento através da referência a um magistrado dotado de poderes jurisdicionais, o juiz local, e/ou a um simples

exactor fiscal, o mordomo; correspondem, segundo o mesmo autor, às três primeiras categorias de concelhos rudimentares ou imperfeitos de Herculano.
No grupo dos concelhos urbanos, Torquato Soares incluiu seis categorias: os burgos e os concelhos que receberam forais segundo os tipos de Coimbra-1111, Coimbra-

Santarém-Lisboa-1179, Salamanca-Guarda, Ávila-Évora e Zamora[72].
3.5. Paulo Merêa distanciou-se da teoria de Herculano sobre a origem romana dos municípios, observando que “Herculano, seduzido pela obra célebre de Savigny, se convenceu

de que estas instituições eram uma herança do mundo romano, e preocupado em salientar as analogias meramente exteriores entre o município antigo e o concelho medieval e em

estabelecer, de um modo forçado, o nexo entre um e outro, descurou alguns aspectos fundamentais”[73]. Tomando em consideração as investigações em curso, Merêa diz-se

levado a crer que “é no concelho rural que devemos procurar a organização municipal originária, cujo aparecimento terá obedecido principalmente a razões de ordem económica”.

“A existência de montes e pastos baldios, a necessidade de organizar o seu aproveitamento, bem como a de regulamentar a exploração agrária e pecuária do património de cada

um dos vizinhos, teriam sido, dentro deste ponto de vista, as determinantes decisivas duma estrutura municipal rudimentar”[74]. Além das razões económicas, são de considerar as

razões de ordem política, não se podendo negar “o papel que nesta evolução desempenharam as circunstâncias especiais da reconquista”. E, a este propósito, cita Alexandre

Herculano: “quando se diligenciava dar incremento a uma povoação importante, formada por homens livres, a ideia de cercar os seus moradores de um certo número de garantias,

de os revestir de certos direitos, de os fazer contribuir para a segurança e prosperidade da monarquia que se dilatava, trazia naturalmente as instituições municipais mais ou menos

completas”[75]. Não deixa de registar os sinais da influência germânica no nosso direito medieval, designadamente a vingança privada, relacionada com a faida ou situação de

inimizade; a composição pecuniária, a que corresponde a calumpnia ou coima em dinheiro; a assembleia judicial (o mallum) originária do concilium ou placitum; e a prova judicial

através, por exemplo, das ordálias, para reforçar ou suprir o depoimento das testemunhas[76]. A influência do direito romano verificou-se numa época mais tardia, em consequência

do renascimento do seu estudo, com os glosadores da escola de Bolonha[77].
3.6. No âmbito da sua actividade universitária como professor de História do Direito, Marcelo Caetano levou a cabo alguns trabalhos de investigação no domínio da história dos

municípios, entre os quais sobressaem A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia e O Concelho de Lisboa na Crise de 1383-1385[78]. Esses trabalhos terão

contribuído para a elaboração da perspectiva global da história dos municípios medievais patenteada na História do Direito Português[79]. Abordando a problemática da origem dos

concelhos, Marcelo Caetano reconhece que “a tese que os filia no município romano se apresentava em termos sedutores, tantas são as semelhanças encontradas entre os dois

tipos de organização local”. Acha, no entanto, que se aproxima mais da verdade a doutrina de Sánchez-Albornoz segundo a qual, como já tinha afirmado Lévi-Provençal, os

vestígios das instituições municipais romanas que se tinham conservado até ao fim da monarquia visigótica desapareceram durante a ocupação muçulmana e também se não

mantiveram no reino das Astúrias[80]. E, tal como Sánchez-Albornoz, Marcelo Caetano conclui que os concelhos peninsulares que surgiram no período da reconquista foram um

produto da sua época e das circunstâncias que se viviam no país e não uma consequência ou imitação de instituições anteriores.
3.7. José Mattoso dedicou uma atenção especial à história dos municípios medievais, na segunda parte do primeiro volume da obra Identificação de um país[81], sem que isso o

impedisse de publicar outros estudos dedicados à mesma temática, designadamente os que foram posteriormente reunidos no livro Fragmentos de uma composição medieval[82],

em que se abordam aspectos tão diversos como o contributo dos moçárabes, o papel das comunidades primitivas na dinâmica municipal da Idade Média, e ainda as relações entre

os municípios e o mundo feudal. Para entender os mecanismos que levaram os concelhos a desempenhar uma função importante na história do país e na definição da fisionomia

que ele veio a adquirir, é necessário averiguar como eles se formaram. Depois de reconhecer que a teoria romanista de Alexandre Herculano já estava posta de lado a partir do

momento em que Torquato Soares abdicou da sua defesa na reedição do 1.º volume da História da Administração Pública de Henrique da Gama Barros, Mattoso regista a

contribuição que para o estudo da história dos municípios terão dado as posições marxistas, em aspectos contraditórias[83], de A. Borges Coelho[84], em Portugal, e de Reyna

Pastor de Togneri[85], na Espanha, a que, no entanto, considera que são de opor algumas reservas, como, apesar de imbuído da mesma ideologia, já fizera Armando de Castro.
3.8. Os forais, os municípios, o povoamento e a organização do território português na Idade Média foram levados em conta por estudiosos como J. M. Font Rius[86], Ana M.

Barrero García[87], James Powers[88] e J. A. García de Cortázar[89]. Mas é um grupo de historiadores franceses, liderado por Robert Durand, que lhes têm prestando a melhor

atenção, no âmbito de vários trabalhos de investigação sobre o espaço português nos tempos a seguir à reconquista. Robert Durand publicou uma extensa obra sobre Les

Campagnes Portugaises entre Douro et Tage aux XIIe et XIIIe siècles[90], e é, além disso, autor de vários estudos sobre a mesma temática[91]. Como o título da obra acima

mencionada refere, o objecto da sua pesquisa é a vida no mundo rural do Portugal que resultou das campanhas contra a ocupação muçulmana, que, por uma questão de método,

restringe ao espaço delimitado pelos rios Douro e Tejo. Segundo Durand, vários factores contribuíram para o atraso desses estudos em Portugal, como a carência de investigações

no âmbito da arqueologia rural e da polinologia e um certo temor reverencial que desencorajou a investigação, na medida em que se consideravam como definitivos os estudos de

três eruditos do fim do século XIX e começo do século XX, designadamente Alexandre Herculano, Henrique da Gama Barros e Alberto Sampaio[92]. O historiador francês sentia-se

mais livre e motivado, por não estar sujeito a esse constrangimento e pelo estímulo de autores como G. Duby, que, apesar dos brilhantes resultados das suas investigações sobre

matérias semelhantes, as considerava sempre como provisórias. Em Les Campagnes, para além da introdução, em que se faculta uma panorâmica da geografia e da história do

território até à reconquista, Robert Durand estuda uma multiplicidade de aspectos que vão desde a dinâmica do povoamento e a evolução das técnicas agrárias até à história

económica e social. Revela-se de grande interesse, nessa perspectiva, o capítulo dedicado ao vigor das comunidades, em que se realça o papel dos vários níveis de organização:

a vila, a aldeia, o município[93].
Stéphane Boisselier interessou-se pelo espaço localizado a sul do Tejo[94], e a sua obra, dividida igualmente em três partes, inclui na primeira as matérias equivalentes às da

introdução de R. Durand, em cuja esteira prossegue, acentuando, porém, o peso da influência islâmica, a que se segue a análise das transformações ligadas ao repovoamento

cristão. Na segunda parte, estuda a organização da sociedade meridional medieva e a seguir debruça-se sobre a economia, mais concretamente sobre a estrutura e a evolução da

propriedade, as culturas e as técnicas de cultivo, os modos de produção e a valorização das terras. O último capítulo da primeira parte é dedicado ao povoamento cristão,

procurando estabelecer, no final, as relações entre a alcaria e a aldeia. Na segunda parte, uma boa extensão do capítulo dedicado aos quadros sociais e políticos do mundo rural

cristão, é dedicada ao estudo do concelho, “lugar de solidariedades”.
Em 1999, em homenagem a Robert Durand, por altura da sua passagem à aposentação como docente, um grupo de colegas e antigos alunos promoveu um jornada de estudos

em sua homenagem, na qual os trabalhos apresentados versavam, na sua maioria, temáticas relacionadas com o povoamento rural português, na Idade Média[95].
3.9. Como indicador de um interesse renovado pela história do municipalismo, em Portugal, pode referir-se a realização, em 1985, de uma reunião pública que pela primeira vez

se dedicou ao estudo desta matéria: as Jornadas sobre o Município na Península Ibérica (Séculos XII a XIX), cuja Comissão Executiva foi presidida pelo Prof. Doutor Humberto

Baquero Moreno[96], por iniciativa da Câmara Municipal de Santo Tirso, para comemorar os 150 anos de fundação do concelho.
Humberto Baquero Moreno, em cuja bibliografia se contam estudos essenciais para o conhecimento dos concelhos medievais, dirigiu durante vários anos, na Faculdade de

Letras da Universidade do Porto, um seminário sobre a história dos municípios, no âmbito dos cursos de Mestrado em História da Idade Média, pelo qual passaram vários alunos,

em cujas investigações se haviam de reflectir posteriormente as suas orientações e ensinamentos[97]. Não se pode ignorar também o valioso contributo dos trabalhos publicados

por José Marques, docente dos mesmos cursos de Mestrado.
Noutras universidades portuguesas, a história dos municípios medievais continua a merecer frutuosa atenção, designadamente na Universidade Nova de Lisboa, com José

Mattoso, a que já fizemos referência, e com António de Oliveira Marques, impulsionador dos estudos dedicados às cidades medievais; na Faculdade de Direito, onde José A. Duarte

Nogueira prolongou a tradição dos juristas que se ocuparam da história dos concelhos, e em Coimbra, onde a história dos municípios muito deve a Maria Helena da Cruz Coelho

[98].

[1] A primeira edição desta obra foi publicada em inglês, com o título Medieval Cities – Their origins and the revival trade. A tradução para português foi executada a partir da versão

francesa: Henri Pirenne, As cidades da Idade Média, Lisboa, Publicações Europa-América, 2.ª ed., 1964.
[2] Max Weber, La Ville, Paris, Aubier, 1982.
[3] André Chédeville, De la cittè a la ville, em Histoire de la France Urbaine. 2. La ville médiévale, des Carolingiens à la Renaissance, Paris, Ed. du Seuil, 1992, p. 29-164.

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